Amoroso - João Gilberto
- Humberto Piccoli
- 20 de jul. de 2016
- 3 min de leitura

"Amoroso" é o nome de um dos melhores álbuns de João Gilberto, um mito da música brasileira que eu demorei muito a entender e admirar.
O álbum é muito especial por três razões:
1. Não há nada mais característico da sonoridade revolucionária da bossa nova do que João Gilberto cantando e tocando seu violão. Não é à toa, não é só uma característica única, genética. É fruto de muito trabalho. Tanto a voz quanto o violão de João são meticulosamente estudados.
Quanto ao violão, não há música com "uma levada igual". A "levada" de João Gilberto é na verdade uma mescla de levadas bem variadas e muito bem ensaiadas que nada tem a ver com as levadas padrões da bossa nova que nós violonistas estudamos nos métodos de violão. Estudar o violão de João Gilberto é coisa séria!
Quando à voz, fora a clássica característica do som "sem potência", que tem mais significado histórico do que qualquer outra coisa - afinal de contas João não inventou a dinâmica, mas fez muito bom uso dela -, o cantor navega no ritmo melódico com muita liberdade lírica. Fato que combina muito com a segunda razão explicada a seguir.
2. Outro pilar fundamental da história da bossa nova se chama Tom Jobim. Tom, além de ser o compositor mais prolífico e criativo da bossa nova, levou a nossa música - junto com João Gilberto - para os Estados Unidos e o resto do mundo, e fez todo mundo babar por ela.
"Amoroso" é repleto de canções do maestro, o que é de praxe em qualquer disco de bossa nova de sucesso. Mas não é só na autoria de algumas canções que o mestre Tom está presente. A parceria entre Tom e João vem desde o lançamento do disco "Canção do Amor Demais" (1958), e começou aí a sonoridade que viria a ser chamada de bossa nova. É a batida, é a letra, é a melodia, são os arranjos econômicos, é o bom gosto de quem conhece música e a vida.
3. Complementando essa parceria, estão os arranjos e regência de Claus Ogerman. Não é a toa que ele citado na capa do disco. Ogerman foi um dos poucos arranjadores cujas interpretações das bossas realmente agradavam Tom Jobim, por esta razão acabou trabalhando em alguns dos discos do maestro.
Tom era tão chegado no arranjador que convenceu Frank Sinatra a contratá-lo para o célebre disco "Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim" (1967), o que não deve ter sido fácil, visto que o cantor americano era muito exigente só trabalhava com gente do calibre de Nelson Riddle, por exemplo.
Claus não era nenhuma estrela no mundo dos arranjadores americanos, mas seu estilo simplesmente casou com a bossa nova. O disco da dupla Sinatra & Jobim é um belo exemplo de como seu estilo se tornou tão único. Quem está acostumado a ouvir Frank Sinatra espera os sons matadores de big bands super bem orquestradas e regidas, mas os arranjos de Ogerman prezam por uma simplicidade que simplesmente tornam o disco da dupla muito especial e diferente.
Recomendo a apreciação desse disco, que conta com as voz inigualável do melhor cantor americano e a voz e o violão tranquilos do gênio Jobim. Ambos orquestrados magistralmente por Ogerman com frases e acordes encaixados perfeitamente a cada compasso. Um clássico da melhor qualidade!
Todas essas três características estão muito presentes em "Amoroso". Além disso, a escolha do repertório é primorosa.
"Estate (Bruno Martino / Bruno Brighetti)" pode ter encontrado neste disco sua melhor interpretação. O sucesso dessa música entre os músicos de jazz se deve muito a João Gilberto. "Besame Mucho (Consuelo Velázquez)" e "'S Wonderful (George Gershwin / Ira Gershwin)" também são interpretadas com incrível cuidado e maestria.
"Amoroso" é um tratado de bom gosto e uma homenagem belíssima aos anos áureos da bossa nova.
Do ponto de vista violonístico, é sempre uma aula de acompanhamento ouvir o violão de João Gilberto. Sem atravessar ninouém, João toca seu som único e consegue, mesmo num estilo que é tão simplificado, esbanjar criatividade e musicalidade. Nota mil!